O Dia em que se fez Escritor
publicado em Constatações a 25 de Fevereiro de 2011
2 comentários

Por ondas, que nem modas fugazes na tentativa de abrandar o crescimento natural constatado, o burburinho de certos focos de opinião esconjura constantemente aquela realidade – que tem vindo a esmorecer – em que um jovem autor precisava da ajuda de lá de cima para conseguir um lugarzinho na estante de todos nós. Mas, tal como as crianças de hoje sabem mais do que nós na nossa infância (ou na nossa idade adulta…), despoletou nos últimos anos um interessante crescimento de obras da autoria da juventude. E o mundo editorial abriu novas portas. Só que a mudança teima em não se instalar no pensamento de alguns.

Se bem que, tal como em qualquer faixa etária e qualquer género literário, sem excepções, há os que se distinguem e os que crescerão ou desvanecerão pelas mais variadas razões, aqueles sítios virtuais, algumas tertúlias e diversos discursos públicos insistem no diagnóstico de que é “mal dos jovens”. Ora, se essa ideia tem tendência para o desuso, deixem-na cair no esquecimento, porque quem mais remexe na evolução das coisas mais se expõe a uma quimera criada pelos seus actos. Que, no caso da literatura fantástica, pode já ter germinado.

Por muito que haja tiroteio na internet, a má qualidade existirá sempre no Fantástico. E no Romance. E na Ficção Científica. E no Policial. E em tudo o que se possa encontrar numa livraria. Facto é que há público para todos. O desequilíbrio, proporcionado pelo marketing, por uma capa fabulosa ou por uma publicidade num site na hora certa, dá lugar à pouca justeza no interesse que o vulgo leitor (se me é permitido dizer nestes termos) deveria depositar naquele trabalho ou naqueloutro. Perante isto, o caminho correcto, a meu ver, é tentar suscitar ainda mais interesse naquilo que declaramos como, na nossa sincera e (não esquecer) humilde opinião, a fonte do prazer de ler (que, sejamos francos e leais, não provém apenas das nossas próprias criações); quando nos deparamos com as obras decepcionantes, saímos da cena, pois haverá sempre alguém que se encantará com o que desprezamos; e, é verdade, tem esse direito. Caso o impulso seja maior, primeiro, o crítico informa-se devidamente; depois, informa. Pode muito bem – na sociedade da informação e da liberdade de expressão – expor as suas angústias… desde que não deixe cartas na manga, para usá-las apenas em situação de conflito (nomeadamente, usar certos termos que, à primeira vista, são pejorativos, mas, na verdade, têm toda uma explicação perspicaz)… até ao limite do cavalheirismo. A partir daí, quem lê o texto já nem atende à dissertação: foca-se completamente nas mil e uma maneiras criativas de insultar.

Em concomitância, quanto mais se espezinha, mais se alimenta o interesse dos outros, provocando exactamente o resultado contrário às, creio eu, intenções primordiais de quem o faz. O feitiço vira-se contra o feiticeiro e, na próxima vez que tentar derrubar aquilo que não aceita, encontrará um adversário engordado.

Recuperando o tema de hoje, insistir na etiquetagem deturpada sobre os jovens autores é espalhar mal-estar no mundo literário português. Ninguém é dono da razão; mesmo tendo lido o que há para ler, tendo estudado o que há para conhecer e tendo reflectido no que há a ter em conta, o perfil do julgador ditará a solução. E como somos todos diferentes, não se conseguirá encontrar consenso. Desvendar-se-ão sempre discípulos de cada versão, no entanto, há lugares apropriados para cozinhá-la, em vez de simplesmente permitir a um errante, que ainda não formou a sua opinião, se espante ao ver palavras recorrentemente acutilantes sobre o mesmíssimo tema.

Um percalço, numa resposta, num post infeliz ou numa conversa pública em que descuidadamente não se pondera as respectivas consequências, não pode nem deve ditar a qualidade de uma série de autores. Já é trabalhoso qualificar um apenas, quando nos apresenta vários livros, contos e/ou artigos escritos em fases e estados de espírito diferentes. E, quanto ao criador desse erro, este pode ou não esclarecer a prestação daquele para o mundo literário. E como a subjectividade se encontra a esse nível, as generalizações em lado algum trazem equidade.

Desta vez decidi partilhar a minha opinião, não por me sentir verdadeiramente afectada – aliás, até hoje não fui alvo directo desse tipo de constatação discriminatória –, mas sim porque cansa-me ver este digladiar constante de más impressões sobre o que faz no país. Porquê esta insistência em focar um ou outro defeito, exorbitando os seus efeitos mais óbvios, quando é hora de pensar no que está bem e no que deve ocupar as mentes de quem nos lê na internet?

Ninguém sabe o dia em que um escritor se fez. Há os prematuros, os das horas vagas da terceira idade, os sem querer, os que trabalharam para isso (nota: estes são muitos e não raras vezes começam a subir a escada que lhes está destinada precisamente na juventude)… e os que nem souberam em vida que o eram. E, quando tal acontece, não é uma pessoa no mundo que o determina. Mais, se a pessoa pretende forjá-lo, perde-se nas brumas a médio-longo prazo. Porque são modas.

Em simultâneo, na perspectiva da figura do autor, é certo que muitos ficarão pelo caminho na sua tentativa de arranjar aquele lugar na nossa estante. E serão capazes de, no seu acto, causar danos inconscientes num estilo literário. Ou, mesmo que haja um destino positivo para as suas criações, haverá dias menos bons nas suas intervenções no mundo dos livros. Pois bem, todos os dias uma testemunha fez uma mossa terrível na defesa de um arguido por explicar-se mal; e nem era aquela a sua versão, mas, naquele momento, perdeu-se no que dizia, pesou mal as palavras, concentrou-se demasiado no caracol que caíra na testa do Procurador da República, em vez de reparar que estava a congeminar um perfil dúbio para o inocente. Arrependeu-se cinco minutos depois. Mas estava feito. Cabe ao juiz concluir se o que depôs tem sumo.

Pois, mas há maus juízes. Como remediar? Não, não é apontando acusadoramente o dedo àquele que falhou e ficar-se por aí, mas sim encher os ouvidos da plateia com outros ruídos: só assim o faremos menosprezar aquele momento em que alguém fragilizou a reputação do Fantástico (nota: esquecendo de uma vez por todas a tentação de usar uma pequena oportunidade para decalcar outros ressentimentos), focando as atenções no que pode construir uma boa imagem. Um mau político critica tudo com princípios e teorias e não mostra a luz ao fundo do túnel, pois nem sabe fazê-lo; o bom político reflecte o que está mal e batalha pela medida certa. Um mau adepto do Fantástico destila os momentos menos bons e nada neles a tempo inteiro; o bom e fiel amante, logo, promotor, do Fantástico parte sem preconceitos, dá oportunidades, promove o que há de melhor e critica sem nunca, nunca esquecer que o mundo não é feito apenas de um deslize ou de um produto imaturo. Portanto, fará uma crítica nem pessimista nem optimista, mas sim virtuosa e sabendo-se localizada num ponto pequeno de um âmbito rico em contradições que é o género Fantástico (pois não é preciso alargar para a literatura em geral; basta aquele género cujas ramificações têm tudo para, ao mesmo tempo, encantar e decepcionar um leitor, independentemente do livro em causa).

Isto para dizer que até agora só vi pessoas, pretendendo um objectivo ou outro, a desinteressar os que vêem de fora. Não é hora de perceberem que a estratégia falhou? Saiam das trincheiras da vossa guerra ou dos exílios de quem teme ou pensa-se temido e, de regresso à tábua rasa, com o único propósito de detectar onde está a boa colheita, para adubá-la e deixar o resto crescer por si e definhar nas suas falhas – como o mercado, não nego que seja preciso alguma intervenção e aqui vos remeto para o que disse até ao parágrafo anterior – , enfim, apelo eu: entendam-se para o bem de todas as partes e todos tirarão bom partido disso!

2 comentários.



    .I.
  1. Concordo com o apelo e, já tendo sido esbofeteado algumas vezes neste “Universo Fantástico Português”, acredito que seria muito bom ver algumas mudanças de atitude.

    Comentário por Roberto Mendes às 19h53 de 25 de Fevereiro de 2011.
  2. .II.
  3. Caro Roberto,

    Perdemos horas a ler opiniões opostas que congeminam uma mera publicidade de resultados inconstantes, que trazem benefícios e prejuízos… e ninguém sai verdadeiramente vencedor.

    E porque, no Facebook, junto ao link deste post, foi comentado que o texto é algo politicamente correcto, transcrevo a explicação:

    “Uma coisa é uma opinião que aponta defeitos, mostra que a qualidade é duvidosa e que há muito para melhorar, dando a oportunidade ao autor de reflectir, engolir o sapo e crescer com isso. Ou amuar e desprezar, caso a sua razão assim o ditar…. Outra coisa é uma opinião fatalista, que não crê em melhorias e, mais, declara uma verdadeira caça às bruxas, pondo fim a qualquer hipótese no futuro. Não está em causa o politicamente correcto, mas sim a falta de legitimidade de seja quem for para sentenciar a morte do artista. E como já se viu que não é aquela segunda atitude que faz com que efectivamente a procura mude, já é mais que tempo para agir sensatamente.”

    Comentário por Madalena Santos às 14h32 de 26 de Fevereiro de 2011.

Deixe um comentário.